Janner Leal Advocacia

Retenção de Pagamento em Contratos Administrativos por Irregularidade Fiscal

Análise sob a Ótica das Leis 8.666/93 e 14.133/21 e dos Princípios Constitucionais

Introdução

A retenção de pagamentos em contratos administrativos devido à ausência de regularidade fiscal da empresa contratada é um tema de relevante interesse no âmbito do direito administrativo. Este artigo busca analisar a questão sob a luz das disposições das Leis 8.666/93 e 14.133/21, considerando também decisões judiciais e os princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública.

Na aplicação prática das Leis 8.666/93 e 14.133/21, emerge a questão de como a Administração Pública deve proceder em casos de inadimplência fiscal das empresas contratadas.

A Lei 8.666/93, em seu Art. 55, IX, exige a manutenção das condições de habilitação e qualificação durante toda a execução do contrato, o que inclui a regularidade fiscal. Similarmente, a Lei 14.133/21 reitera essa necessidade. Contudo, a aplicação rígida dessas disposições pode levar à interrupção de serviços essenciais ou atrasos significativos na entrega de obras públicas.

Jurisprudência: Divergências e Tendências

A jurisprudência brasileira mostra-se dividida quanto à questão. Alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Contas da União (TCU) têm sustentado a legalidade da retenção de pagamentos como meio de compelir a regularização fiscal. Entretanto, em outras decisões, sobretudo em tribunais regionais, observa-se uma postura mais flexível, priorizando a continuidade do contrato e a entrega do objeto contratado.

Em sentido contrário ao interesse da empresa contratada, a decisão minoritária é extraída do Poder Judiciário do Estado de MT, onde há algumas decisões em razão de previsão contratual, nos seguintes termos:

Contratação pública – Pagamento – Certidão de regularidade fiscal – Exigência – Previsão no contrato – Possibilidade – TJ/MT

O TJ/MT julgou que inexiste “ilegalidade na exigência da Administração Pública da apresentação de certidão de regularidade fiscal como condição para pagamento de serviços prestados, se há previsão no contrato firmado entre a empresa contratada e o ente público”. Segundo o tribunal, a referida exigência possui “como escopo resguardar a Administração Pública de eventuais condenações subsidiárias com base no Enunciado 331, item V do TST, uma vez que em reclamações trabalhistas, pode vir a ser responsabilizada por omissão culposa na fiscalização do cumprimento dos encargos trabalhistas e fiscais pela empresa contratante”. (Grifamos.) (TJ/MT, Apelação/Remessa Necessária Cível nº 1003163-98.2019.8.11.0041, Rel. Des. Maria Erotides Kneip, j. em 25.04.2022.).

Em sentido favorável, ao qual nos filiamos e defendemos, é no sentido de que mesmo havendo previsão contratual de não libe- ração do pagamento, deve-se registrar que o objeto foi entregue, devendo ser a Administração liquidar o objeto, uma vez que eventual infração contratual de não manutenção das condições de habilitação deve ser apurada em sede de regular processo administrativo sancionador, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração.

Destaca-se o caso das decisões abaixo, do TCU, STJ e TJMT, onde foi decidido que a retenção de pagamentos deveria ser revista em virtude do impacto desproporcional sobre a contratada, que já demonstrava passos concretos para a regularização de sua situação fiscal. Este entendimento se alinha à necessidade de equilíbrio nas relações contratuais e à preservação da continuidade dos serviços públicos.

Contratação pública – Contrato – Inexecução – Não manutenção da regularidade fiscal – Retenção dos pagamentos – Ilegalidade – TCU

“1. Nos contratos de execução continuada ou parcelada, a Administração deve exigir a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal (…). 2. Nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada deve constar cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, prevendo, como sanções para o inadimplemento dessa cláusula, a rescisão do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração, além das penalidades já previstas em lei (arts. 55, inciso XIII, 78, inciso I, 80, inciso III, e 87, da Lei nº 8.666/93). 3. Verifi- cada a irregular situação fiscal da contratada, incluindo a seguridade social, é vedada a retenção de pagamento por serviço já executado, ou fornecimento já entregue, sob pena de enriquecimento sem causa da Administra- ção“. (TCU, Acórdão nº 964/2012, Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, DOU de 07.05.2012, Informativo nº 103, período de 23 a 27.04.2012.).

Contratação pública – Contrato – Regularidade fiscal – Não manutenção – Retenção de pagamento – Impossibilidade – STJ

O STJ, ao apreciar recurso que pretendia reconhecer a legalidade de portaria que determinava a retenção de pagamento de contrato na hipótese de não comprovação da regularidade fiscal pela contratada, concluiu que “a pretensão recursal destoa da jurisprudência dominante nesta Corte no sentido da ilegalidade da retenção ao pagamento devido a fornecedor em situação de irregularidade perante o Fisco, por extrapolar as normas previs- tas nos arts. 55 e 87 da Lei 8.666/93”. (STJ, ARREsp nº 1.313.659/RR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 06.11.2012.) Decisões do STJ no mesmo sentido: REsp nº 633432/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 20.06.2005; AgRg no REsp nº 1048984/DF, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 10.09.2009; RMS nº 24953/CE, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 17.03.2008.

Contratação pública – Contrato – Ausência de regularidade fiscal – Retenção de pagamento – Impossibilidade – TJ/MT

O TJ/MT, em apelação cível, entendeu que “apesar de ser exigível a Certidão de Regularidade Fiscal para a contratação com o Poder Público, não é possível a retenção do pagamento de serviços já prestados, em razão de eventual descumprimento da referida exigência”. Segundo o tribunal, “não pode a Administração Pública, após a prestação do serviço contratado, sustar o pagamento por ausência de comprovação da regularidade fiscal da empresa contratada, já que tal providência não se encontra prevista no artigo 87, da Lei de Licitações”. (Grifamos.) (TJ/MT, Apelação Cível nº 1003211-67.2021.8.11.0015, Rel. Des. Gilberto Lopes Bussiki, j. em 09.05.2023.).

A depender da estratégia adotada e do órgão jurisdicional a que está vinculada a Administração Pública, a orientação é no sen- tido de, em sede de manifestação administrativa (petiçã0), exercer o direito de exigir com base nos precedentes favoráveis. Eventual judicialização, imperioso verificar o entendimento da Corte Judicial a que o órgão esteja vinculado, mas sem prejuízo de que o STJ já reconhece que a retenção de pagamento por ausência de regularidade fiscal é ato ilícito praticado pelo gestor público.

Princípios Constitucionais e a Discricionariedade Administrativa

O desafio reside em equilibrar os princípios constitucionais da Administração Pública com a discricionariedade administrativa.

Enquanto o princípio da legalidade exige o cumprimento estrito das normas, os princípios da eficiência e da proporcionalidade podem justificar uma abordagem mais flexível em determinadas situações.

A análise crítica deve considerar se a retenção de pagamentos efetivamente serve ao interesse público ou se acarreta con- sequências desproporcionais para a execução contratual.

Conclusão: Busca pelo Equilíbrio e Recomendações

Em conclusão, a retenção de pagamentos em contratos administrativos por falta de regularidade fiscal requer uma análise equilibrada, alinhada aos princípios constitucionais e às peculiaridades de cada caso.

Recomenda-se que a Administração Pública adote uma postura prudente, avaliando os impactos da retenção e buscando alternativas que assegurem a continuidade dos serviços e a satisfação do interesse público, sem negligenciar a necessidade de cumpri- mento das obrigações fiscais pelas empresas contratadas, motivo pelo qual deve seguir o rito do processo sancionador para apurar eventual falta contratual, e não reter pagamentos do objeto já entregue. Este artigo contribui para a compreensão de um tema complexo e dinâmico no direito administrativo, em especial na Advocacia em Licitações, oferecendo insights para acadêmicos, pro- fissionais do direito e gestores públicos na busca por soluções equilibradas e eficientes na gestão de contratos administrativos.

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