Janner Leal Advocacia

Propostas com Dados Divergentes em Licitações Públicas

Saneamento à Luz do Princípio do Formalismo Moderado e da Proposta mais vantajosa para a Administração.

Introdução

No contexto das licitações públicas, especialmente aquelas realizadas através de sistemas eletrônicos como o Comprasnet, é crucial que os dados fornecidos pelos licitantes sejam precisos e correspondam à entidade que efetivamente participa do processo.

Uma situação de particular interesse ocorre quando há a apresentação de propostas em nome de pessoa jurídica (empresa licitante) diversa da participante do certame.

Este artigo visa elucidar essa questão, focando em suas implicações legais e práticas para os empresários envolvidos em processos licitatórios.

Contextualização do Problema

A questão surge quando um licitante, por meio do pregão eletrônico no portal de compras anexa documentos de habilitação e propostas comerciais em nome de uma pessoa jurídica diferente daquela que de fato participa da licitação.

Este cenário pode levantar questionamentos sobre a validade da proposta e a habilitação do licitante.

Legislação Aplicável e Interpretação Jurídica

A Lei nº 8.666/1993, conhecida como Lei de Licitações, e demais regulamentações pertinentes, estabelecem critérios rigorosos para a participação em licitações.

A identificação correta do licitante é essencial para a transparência e legalidade do processo.

A divergência de informações pode ser interpretada como uma falha que, dependendo do caso, pode levar à desclassificação da proposta ou até mesmo a sanções administrativas.

Possibilidade de Saneamento da Proposta

A legislação brasileira, em alguns casos, permite o saneamento de falhas formais em documentos apresentados, desde que não comprometam a competitividade e a igualdade entre os participantes.

No entanto, a possibilidade de correção de uma proposta apresentada em nome de pessoa jurídica diversa é um tema que requer análise detalhada das circunstâncias e da legislação aplicável.

Nesse sentido, a não apresentação das informações e dos documentos necessários e devidos caracteriza uma falha, mas não admitir a sua apresentação extemporânea pode implicar para o órgão público prejuízo ainda maior, pois lhe obriga a contratar por preço superior, afastando o princípio da proposta mais vantajosa para a Administração.

A doutrina de Marçal Justen Filho assim esclarece:

“Há uma forte tendência ao reconhecimento de que defeitos puramente formais poderão ser sanados, especialmente quando não existir controvérsias relativamente à situação fática. As- sim, a apresentação de certidão destinada a comprovar situação inquestionável, constante em cadastros públicos, tende a ser admitida. Se o sujeito não se encontra falido, mas deixou de apresentar o documento adequado, seria um formalismo excessivo promover a sua inabilitação. O que não se poderá aceitar será a apresentação tardia de documentos que deveriam integrar a proposta, por exemplo. Se uma planilha foi exigida no ato convocatório e o particular deixou de apresentá-la, existe defeito insuperável na pro- posta. Se o edital exigia a apresentação do balanço e o particular não cumpriu a exigência, deverá ser inabilitado.”1 (Destacamos.)

A título referencial, no Acórdão nº 7.334/2009 – 1ª Câmara, o Tribunal de Contas da União, citado como exemplo, adotou os mesmos fundamentos ora indicados para decidir pelo cabimento do saneamento: “5. De fato, a administração não poderia prescindir do menor preço, apresentado pela empresa vencedora, por mera questão formal, considerando que a exigência editalícia foi cumprida, embora que de forma oblíqua, sem prejuízo à competitividade do certame.

6. Sendo assim, aplica-se o princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, pro- movendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas ainda as formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados, tudo de acordo com o art. , § único, incisos VIII e IX, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.”

Em nova oportunidade, no Acórdão nº 825/2019 – Plenário, o TCU ponderou pela necessária ponderação entre os valores que orientam o caráter formal das licitações e a necessidade de se assegurar o atendimento de sua finalidade, qual seja, a de selecionar a proposta mais vantajosa.

Ainda, em 2021, o conhecido Acórdão 1.211/2021 – Plenário, o Tribunal de Contas da União reconhece a juntada extemporânea de documento de habilitação e proposta em licitação processada pela modalidade pregão, na sua forma eletrônica, sem que isso configure violação ao disposto no art. 43, § 3º da Lei nº 8.666/1993, isto é, juntada de documento sobre aspectos pré-existentes ao certame.

No mesmo ano, mais uma vez o Tribunal de Contas da União se manifestou sobre o tema, por meio do Acórdão nº 2443/2021 – Plenário:A vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), não alcança documento destinado a atestar condição de habilitação preexistente à abertura da sessão pública, apresentado em sede de diligência.

Implicações para os Empresários

Para os empresários que participam de licitações, é fundamental compreender as implicações de tais erros.

A inconsistência de dados pode resultar em perda de oportunidades de negócio e em penalidades legais.

É vital assegurar que todas as informações e documentos fornecidos estejam em consonância com a entidade legalmente responsável pela proposta.

Prevenção e Melhores Práticas

A adoção de práticas de gestão de riscos e de compliance é essencial para prevenir tais situações.

Os empresários devem estabelecer processos internos rigorosos de revisão e verificação de documentos a serem submetidos em licitações, assegurando sua conformidade com as exigências legais e regulatórias.

Conclusão

A apresentação de propostas com dados divergentes em licitações públicas é um assunto que requer atenção redobrada por parte dos empresários.

A compreensão das implicações legais e a implementação de estratégias de gestão de riscos são fundamentais para evitar contratempos e garantir a participação efetiva e legal em processos licitatórios.

Por outro lado, valendo-se da estratégia jurídica adequada, mero erro formal não pode deixar que o empresário seja refém de excesso de formalismos ou por violação de princípios da contratação pública por parte da Administração, deixando de obter êxito em suas propostas.

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